Por: Luana Araujo- Advogada do escritório Ribeiro & Albuquerque Advogados
Coordenação: Dr. Wesley Albuquerque – Sócio do escritório Ribeiro & Albuquerque Advogados
O ordenamento jurídico prevê diversos mecanismos de proteção das criações e inovações que resultem de investimentos e esforços das empresas e agentes do universo da moda, seja para a proteção da criação pelo direito autoral, seja pelas regras que regem marcas e patentes e concorrenciais.
Muito se discute acerca da ausência de regras específicas aplicáveis no segmento da moda, mas isso não significa que seja um território sem regras, já que o arcabouço de normas existentes permite um mínimo de proteção.
Nesse breve artigo iremos abordar as principais normas e regras aplicáveis no que diz respeito à proteção do direito do autor e da propriedade industrial.
A boa compreensão da temática exige uma primeira distinção entre os conceitos de movimento, estilo, tendência e o design.
Em linhas gerais o estilo está ligado a um tipo de estética da indumentária, ligado ao indivíduo e que possa também ser verificado em algum contexto social. Já a tendência é a escolha de um grupo, de forma consciente e voluntária, ao passo que o design é a junção de corte, estrutura, material e detalhes que diferenciam um objeto dos demais.
Apesar de singela, a distinção destes conceitos se mostra importante e é verificável nas decisões de casos que são submetidos ao judiciário (conforme analisaremos mais adiante).
No que toca ao conjunto normativo sobre a temática, numa primeira análise temos a proteção do direito autoral aplicável na criação artística das roupas e utilidades da moda, que apesar de ser menos burocrática (por não exigir formalidade prévia no sentido de eventual registro, por exemplo) possui mecanismos menos eficientes para inibição de usos não autorizados.
Além disso, os direitos do autor são aqueles listados na Lei 9610/98 ou na Convenção de Berna e, dependem, muitas das vezes de reconhecimento judicial para que se possa então fazer valer os direitos do criador. São requisitos para a proteção da criação por essa lei a originalidade e dissociabilidade, ou seja, que seja algo inédito e que não possa ser reproduzido.
Em paralelo temos que para fins de proteção com base na lei de propriedade industrial (marcas e patentes), os requisitos são distintos, vigorando basicamente a regra de que seja uma invenção ou modelo de utilidade. O primeiro está ligado à atividade inventiva, totalmente inovadora e com utilidade para determinado fim. Já o segundo, representa uma nova utilidade para algo já existente.
Ademais, todos os elementos visuais que possam ser vinculados a marca de alguma forma devem ter seu devido resguardo, ainda que não exista legislação brasileira especifica para o tema. Ao abordar o assunto, a doutrina e jurisprudência conceituam esse conjunto de elementos com o termo “trade dress” , que pode ser composto pelas mais diversas características que consistem em combinações de cores, formato de embalagem, sinais, escritas, frases, forma de atendimento ao cliente, cheiro, sonoridades, ou seja, a aparência geral do produto.
Embora não exista norma específica para o tema, a lei de propriedade industrial (9.279/1996) trata de assuntos similares como registro de marcas, patentes, direito autoral, concorrência desleal, entre outros. Dessa forma, a violação ao trade dress vem sendo caracterizada como uma forma de concorrência desleal, na qual visa confundir o consumidor e induzi-lo a erro.
Nesse contexto, a fragilidade da distância entre imitação e inspiração merece uma melhor observação. Ao passo que se define a palavra inspirar como provocar ideias, originar, ou seja, usar referencias para algo novo, na imitação temos como definição mais próxima o plágio, onde destaca a intenção de copiar e reproduzir algo idêntico ao original.
Fato é que, normalmente ao investir na criação de algo, exige-se uma pesquisa em termos gerais sobre os últimos acontecimentos e movimentos do ramo, no muno da moda não é diferente. Profissionais buscam diariamente novas tendencias acerca de design inovadores, conforto, e comportamento social com o intuito de superar as expectativas do seu público alvo.
Nessa perspectiva, criadores de um modo geral se atentam para estreitar seus desejos de criação baseados em inspirações relacionadas a fontes de pesquisas realizadas, ao invés de copiar algo já difundido.
Ante o exposto, há um conjunto de decisões e entendimentos dos tribunais a respeito da temática. Como exemplo, a representante brasileira da Wacoal que manejou ação judicial dizendo ser titular da criação de linha de lingeries denominada Embarace lace, contra a Hope, alegando que esta estaria reproduzindo as peças em sua nova coleção.
Em sua alegação a autora fundamenta o pleito dizendo que peças de vestuário e acessórios são passiveis de proteção por direito autoral, independente de registro.
No caso entendeu-se que a lei mais apropriada aos temas relacionados a proteção dos negócios da moda seria a Lei de Propriedade Industrial que define o desenho industrial como: a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando um visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.
No entanto, a ausência do registro exigido no artigo 96 da lei de regência, em relação ao design da linha de lingeries criou, de certa forma, uma barreira para invocar a proteção conferida pelo conceito de desenho industrial.
Em suma, em relação ao caso em questão, a decisão foi baseada no fato que, embora houvesse semelhanças entre as linhas de peças intimas, não haveria imitação, primeiramente por considerar que não há registro do desenho industrial, e ainda por avaliar que a simetria entre as linhas teria como principal fonte a tendencia do segmento.
“Direito autoral. Alegação de reprodução indevida de linha de lingerie. Inaplicabilidade da Lei de Direitos Autorais à indústria da moda. Propriedade industrial. Desenho industrial não registrado e que se encontra no estado da técnica. Semelhança nos produtos que retrata tendência do segmento mercadológico. Trade-dress. Alegação de violação do conjunto-imagem do design das autoras. Descabimento. Ausência de demonstração de que a Linha Embrace seria a vestimenta das marcas das acionantes e que, em tese, teria sido reproduzida pela ré. Improcedência decretada. Recurso da ré provido, prejudicado o das autoras.” (TJSP; Apelação Cível 1043901-02.2017.8.26.0100; Relator (a): Araldo Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/12/2020; Data de Registro: 21/12/2020)
Os conflitos face ao assunto continuam, em outro exemplo, empresas de calçados discutem sobre a utilização do termo “in box”, que ambas empregam. Destacou-se que a marca de fato é praticamente idêntica, havendo somente mera inversão dos termos utilizados em seu elemento nominativo, além de atuarem no mesmo ramo de mercado.
Desta forma, sugere-se que o uso concomitante das expressões semelhantes gera risco de confusão aos consumidores quanto a origem do produto e ainda, pode apresentar também riscos de associações indevida de eventuais vícios entre os produtos fabricados e comercializados e desvio de clientela.
No caso em comento, a autora colaciona aos autos registro de domínio em internet e pedido de registro mediante o INPI , para comprovar a anterioridade na utilização da marca “ In box shoes” .
Pesou o fato de que a proteção à propriedade das marcas está amparada na Constituição Federal em seu Art. 5º, XXIX e ainda, ao titular da marca ou seu depositante é assegurado o uso exclusivo em todo o território nacional, cabendo zelar pela sua integridade material ou reputação, que abrange o uso da marca em papeis impressos, propagandas, e documentos relativos à atividade.
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Marca – Demanda iniciada por autora que pretende a proteção da marca “Inbox Shoes”, supostamente violada pela utilização dos réus de designativo bastante semelhante (“Shoes Inbox”) – Inegável colidência entre os ramos de atuação empresarial dos litigantes e expressiva semelhança entre as marcas utilizadas – Anterioridade na utilização da marca “Inbox Shoes” pela autora – Criação de domínio virtual e pedido de registro de marca que são anteriores aos dos réus – Risco de confusão entre os consumidores e ilegal desvio de clientela – Ordem de abstenção mantida – Apelação improvida DANO MORAL – Marca – Violação ao direito de exclusividade conferido às autoras – Simples fato da violação da propriedade industrial apto para abalar a imagem e reputação das demandantes – Prejuízo extrapatrimonial presumido – Pedido de indenização por dano moral procedente – Verba indenizatória mantida em R$ 10.000,00 – Apelação improvida PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Marca – Lucros cessantes – Violação ao direito de exclusividade da marca – Início de prova do prejuízo material presente, coincidente com o registro do domínio pela ré – Indenizatória procedente – Apelação improvida Dispositivo: negam provimento.” (TJSP; Apelação Cível 1004633-77.2018.8.26.0011; Relator (a): Ricardo Negrão; Órgão Julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 15/04/2020; Data de Registro: 15/04/2020)
Ainda exemplificando o assunto, colacionamos decisão que condenou a Hypermarcas (dona da Monange) a indenizar a Victoria Secrets em 100 mil reais, baseado na violação do Trade dress e concorrência parasitaria (aquela que diz não agredir de forma direta e frontal, mas sim de forma sutil e sofisticada).
A grife americana processou a monange alegando concorrência desleal e uso de símbolos distintivos da marca (Asas de anjo, plumas, e penas que fazem parte da estética da Victoria Secrets há mais de dez anos).
Em primeira instancia, a decisão considerou o caráter parasitário do evento: “O sinal distintivo em questão — ‘asas de anjo’ —, portanto, merece a proteção legal, como forma de impedir a concorrência desleal, só assim evitando-se a possibilidade de confusão passível de acarretar desvio de clientela e locupletamento com o esforço alheio”, diz a sentença.
A ré, Monange , recorreu alegando que a Lei 9.610/98 não protege a criação de ideias, que os símbolos utilizados no desfile não possuem proteção legal, bem como que a legislação brasileira preza pela livre concorrência e iniciativa, não permitindo monopolização.
Contudo, face ao reconhecimento mundial de seus elementos distintivos frequentemente usados em seus desfiles restou reconhecido os direitos da parte autora sobre seus símbolos.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO MODIFICATIVO. INADMISSIBILIDADE. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO INEXISTENTES. 1. Os embargos de declaração têm a finalidade de esclarecer obscuridade ou contradição do julgado e supri-lo de omissão, requisitos cuja ausência enseja o não provimento do recurso. 2. Este recurso é sede imprópria para manifestar-se o inconformismo com o julgado e obter a sua reforma porque, salvo as hipóteses específicas, nele não se devolve o exame da matéria. 3. Intuito de prequestionamento. Impossibilidade. 4. Negado provimento aos embargos. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO MODIFICATIVO. INADMISSIBILIDADE. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO E OMISSÃO INEXISTENTES. 1. Os embargos de declaração têm a finalidade de esclarecer obscuridade ou contradição do julgado e supri-lo de omissão, requisitos cuja ausência enseja o não provimento do recurso. 2. Este recurso é sede imprópria para manifestar-se o inconformismo com o julgado e obter a sua reforma porque, salvo as hipóteses específicas, nele não se devolve o exame da matéria. 3. Intuito de prequestionamento. Impossibilidade. 4. Negado provimento aos embargos.
(TJ-RJ – EI: 01215446420118190001 RIO DE JANEIRO TRIBUNAL DE JUSTICA, Relator: CLEBER GHELFENSTEIN, Data de Julgamento: 09/10/2013, DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/10/2013)
Por isso, mesmo diante das dificuldades e dúvidas em relação as regras especificas sobre o enunciado, as interpretações em seus diversos aspectos nos remetem a proteção jurídica do segmento, de modo sempre a preservar os direitos do criador, e evitar prejuízos e desconsertos ao consumidor.