Por: Carolina da Fonte Batistela – Advogada do escritório Ribeiro & Albuquerque – Advogados Associados
Ao se dedicar ao exercício de qualquer atividade econômica, o empreendedor se depara com uma série de questões a serem analisadas. Uma vez definida sua atividade e/ ou produto, e esta(e) ter se mostrado viável no mercado, faz-se necessária a formalização da empresa, ou seja, o registro de sua constituição nos órgãos competentes.
Mas, para prosseguir com o registro há algumas decisões a serem tomadas, decisões essas que, se tomadas sem o planejamento prévio necessário, há um risco considerável de consequências indesejadas, inclusive, o encerramento das atividades nos primeiros anos de vida, e até nos primeiros meses.
Antes da constituição da empresa e seu registro junto aos órgãos competentes, um planejamento societário prévio é fundamental, bem como sua manutenção conforme o desenrolar da atividade, considerando o dinamismo do mercado. O planejamento societário se aplica a qualquer empresa seja qual for o ramo de negócios, inclusive às startups, que é o foco do presente artigo.
Isso considerando o dinamismo do mundo das startups, bem como considerando que, dentre as características das startups, além do estágio inicial das atividades, do desempenho de uma atividade e/ ou produto inovador e escalável criado a partir de uma tecnologia inovadora e o risco da atividade, tem-se a preocupação com gastos operacionais e a carência de recursos.
Sabe-se que a captação de recursos ao constituir uma sociedade pode se dar através de capital social aportado pelos sócios e/ ou acionistas, através do mercado financeiro ou, ainda, através do mercado de capitais e o tipo societário influencia a depender do modo de captação escolhido.
A captação de recursos através do mercado financeiro não é comum, pois, como já mencionado, o risco da atividade é uma característica das startups, logo, torna-se quase que inviável recorrer ao mercado financeiro, que costuma não disponibilizar crédito a empresas com esse perfil.
Inicialmente, geralmente, a sociedade é constituída com o aporte de capital dos sócios fundadores.
Neste momento, uma das primeiras preocupações, além do custo operacional, deve ser em relação à responsabilização dos sócios. Com relação a esta questão, as sociedades classificam-se em sociedades de responsabilidade limitada, ilimitada ou mista.
Pensemos, inicialmente, em um empreendedor que inicia suas atividades sozinho, por exemplo. Este empreendedor pode exercer a atividade empresária através da pessoa física e enquadrar-se como MEI (Micro Empreendedor individual) ou como EI (Empresário Individual), isso, claro, se atender aos requisitos para enquadramento. Contudo, embora sejam opções com custo operacional baixíssimo em detrimento das demais opções societárias, há de destacar-se que não existe autonomia patrimonial da empresa, uma vez que nestes casos não há pessoa jurídica, considerando que a atividade é exercida por pela pessoa física (embora sejam inscritas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ), ou seja, o patrimônio pessoal do empresário responde pelas obrigações da empresa, ficando, portanto, vulnerável.
Para este empreendedor, todavia, há a possibilidade de limitar sua responsabilidade ao constituir, por exemplo, uma EIRELI (Empresário Individual de Responsabilidade Limitada) ou então uma Sociedade Empresária Unipessoal Limitada (esta última surgiu recentemente em decorrência da Lei de Liberdade Econômica e demonstra-se mais viável que a EIRELI, considerando que para constituir uma EIRELI há o requisito de o capital social mínimo corresponder a 100 (cem) vezes o valor do maior salário mínimo vigente no país).
Contudo, iniciar as atividades individualmente não é muito corriqueiro no mundo das startups, geralmente, há uma união de esforços e de recursos na fase inicial.
entro deste contexto, dentre as várias opções de tipos societários a serem analisadas e estudadas antes da constituição, os tipos societários mais comuns e aderidos pelas startups consistem na Sociedade Empresária de Responsabilidade limitada (LTDA) e na Sociedade Anônima (SA), sendo que a mais comum no estágio inicial é a Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada (LTDA), que prevê um menor custo operacional e um processo menos burocrático para constituição.
Um dos motivos pra ser o tipo societário mais utilizado no Brasil, é que na Sociedade Empresária Limitada, como o próprio nome sugere, a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de suas quotas, respondendo, no entanto, todos solidariamente pela integralização do capital social. Esta é uma sociedade personificada, ou seja, detém personalidade jurídica própria, distinta da dos seus sócios, adquirida com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.
Destaca-se, ainda, a possibilidade de a Sociedade Limitada optar pelo regime tributário do Simples Nacional (a depender, dentre outros requisitos, da atividade a ser exercida), o que lhe confere um custo tributário bem menor, além de mais simplificado.
A Sociedade Limitada é regida pelos artigos 1.052 e seguintes do Código Civil Brasileiro e supletivamente pelas regras aplicadas à Sociedade Simples, contudo, é possível estabelecer que a Sociedade seja regida supletivamente pela Lei das Sociedades Anônimas (desde que essa possibilidade esteja prevista no contrato social), o que lhe confere uma maior estabilidade na relação societária.
Ademais, a Sociedade Limitada tem caráter contratual, onde os sócios podem acordar sobre qualquer direito patrimonial disponível, regulamentando suas relações. Neste ponto é possível acordar, por exemplo, regras relacionadas à exclusão de um sócio por atos de inegável gravidade que possam colocar em risco a continuidade da sociedade, regras relacionadas ao direito de preferência, distribuição de lucros e outros temas objetivando minimizar eventuais conflitos.
Uma sociedade bem estruturada e constituída sob regras claras traz segurança aos sócios e a futuros investidores quando a sociedade buscar investimento externo.
Passada a fase inicial, ou, muitas vezes, ainda na fase inicial, geralmente, o capital aportado pelos sócios torna-se insuficiente e, portanto, faz-se necessária a busca por investimento externo e, na maioria dos casos, em algum momento faz-se necessária a transformação do tipo jurídico da sociedade para Sociedade Anônima, que viabiliza o aporte de capital.
Por exemplo, ainda enquanto sociedade empresária limitada, para captação de recursos através de um contrato de mútuo conversível, por exemplo, na maioria das vezes, os investidores optam pela transformação societária quando da conversão do mútuo fazendo constar cláusula expressa dispondo que antes da conversão do valor disponibilizado à sociedade para aquisição da participação societária, essa deverá ser transformada em Sociedade Anônima.
Sociedade Anônima, embora seja um tipo societário mais complexo, o processo de constituição seja mais burocrático e tenha custo operacional mais elevado, destaca-se dentre suas características ser uma sociedade de capital (tanto a entrada como a saída de sócios é realizada de forma mais simples que a Sociedade Empresária Limitada, por exemplo, bastando a transferências das ações nos livros de registro da sociedade), o capital social nas Sociedades Anônimas é divido em ações que, a depender do seu tipo, preveem direitos e vantagens aos seus acionistas. Por exemplo, há possibilidade de um investidor ser acionista sem direito a voto através da aquisição de ações preferenciais sem direito a voto, embora a esse acionista não caiba um direito político, a ele é concedido um direito econômico. Essa dinâmica traz à Sociedade uma série de possibilidades.
Com relação à responsabilidade, assim como na Sociedade Empresária de Responsabilidade Limitada, a responsabilidade dos acionistas na Sociedade Anônima é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, diferenciando-se, contudo, da sociedade limitada no que tange à responsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social, uma vez que não essa previsão para Sociedades Anônimas.
lém do mais, as sociedades anônimas possuem uma estrutura de governança complexa, mas que garante maior transparência e segurança jurídica aos acionistas. É, sem dúvidas, o tipo societário mais indicado às startups, considerando a necessidade recorrente de captação de recursos, porém, cabe às startups que se encontram em um estágio de amadurecimento mais avançado.
Nosso ordenamento jurídico traz inúmeras opções de formatos societários, embora, entendemos que a maioria não atende o mercado das startups diante do dinamismo e nova forma de empreender. É fundamental um estudo prévio de todos os formatos existentes e quais as opções que cada um pode proporcionar à sociedade a ser constituída ou, ainda, as possibilidades de transformação do tipo societário no decorrer do desempenho das atividades desenvolvidas.
A escolha de um formato societário inadequado, a inadequação e falta de formalização das intenções dos sócios fundadores aliada às intenções de futuros investidores, a escolha equivocada do regime tributário e outras questões essenciais, mas que, muitas vezes não são escolhidas e formalizadas com a assessoria devida, podem levar uma startup ao encerramento das atividades.
A orientação profissional às questões jurídicas é tão importante quanto o planejamento para inserção de um produto e/ou serviço no mercado.
Referências Bibliográficas:
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