Questão que parecia estar pacificada e que orientava, em muitas das ocasiões, a tomada de decisão pelo empresário em situações de dificuldades no fluxo de caixa foi revista pelo STJ em recente julgamento.
Até então, para fins criminais, o não repasse do ICMS devidamente declarado, resultaria apenas no desencadeamento dos atos convencionais de cobrança pelo Fisco (protesto da dívida, execução fiscal e demais atos de constrição próprios da via executiva).
O entendimento decorria da interpretação de que a Lei nº 8.137/90 (que define os crimes tributários) apenas previa como crimes condutas que resultassem na (i) omissão em declaração; (ii) fraude à fiscalização, consistente na inserção inexata ou com omissão de dados; (iii) falsificação ou adulteração de documento fiscal; (iv) utilização de documento falso; (v) recusa na disponibilização de informações e documentos
Em relação ao ICMS, vencia o entendimento de que o não recolhimento não se enquadraria nas condutas acima listadas e, portanto, não seria capaz de caracterizar crime.
Ocorre que partindo da previsão contida no art. 2º, II da mesma lei, o STJ passou a entender que resultaria em crime, haja vista que ao incluir no preço do produto final a parcela relativa ao ICMS (dada sua natureza “econômica” de um tributo indireto) e não repassar ao Fisco, estaria o contribuinte praticando crime de apropriação indébita tributária.
Em que pese tal entendimento, dada a necessária subsunção do fato tipificado criminalmente ao tipo penal inserido na norma, temos que tal previsão se aplicaria apenas às hipóteses de ICMS substituição tributária ou demais tributos onde a responsabilidade seja atribuída, mediante norma específica, a um terceiro (por exemplo: IRRF e INSS retenção). Isso em decorrência da previsão contida no texto legal mencionar expressamente os termos “descontado” ou “cobrado”.
Podemos citar a título de exemplo os casos do ICMS pleiteado pelas empresas que contratam demanda específica com as distribuidoras de energia elétrica, onde o próprio STJ entendeu serem legitimados os contribuintes de fato para pleitear a devolução dos excessos (Recurso Especial nº 1299303-SC, julgado em 08/08/12). Lado outro, em situação semelhante entendeu o STJ pela ilegitimidade do contribuinte para pleitear a repetição do IPI sobre descontos incondicionais (RESP nº903394-AL, julgado em 24/03/2010).
Ou seja, se nem o próprio STJ soube definir a relevância jurídica do contribuinte de fato, como pode agora, para fins penais, dar a ele (contribuinte de fato) importância tal a ponto de definir efeitos penais em detrimento do contribuinte de direito.
Convém destacar que o entendimento do STJ decorre em via reflexa da recente decisão do STF que excluiu o próprio ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS (RE nº 574706); pois segundo o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que participou do julgamento no âmbito do STJ, utilizando o mesmo critério da Corte Suprema – se o ICMS não é receita da empresa e sim uma receita financeira e transitória, reforçada estava a tese de apropriação indébita para fins penais.
Dessa forma, o caminho mais prudente aos empresários que estejam em situação de inadimplência é uma revisão minuciosa de tais débitos, a fim de buscar vias alternativas de quitação (por exemplo: a compensação com precatórios que vem se mostrando uma possibilidade após a Emenda Constitucional nº 99/2017).
Vale lembrar, que no Estado de São Paulo as dívidas de ICMS foram atualizadas com juros abusivos por um longo período, em razão disso a revisão de tais excessos pode possibilitar o pleito judicial de habeas corpus preventivo, com vistas a impedir a instauração de eventual investigação e/ou ação penal – até que se defina o valor exato e justo devido pelo contribuinte ao menos em relação aos encargos.