Por: Carolina da Fonte Batistela – Advogada do escritório Ribeiro & Albuquerque – Advogados Associados
Coordenação: Dr. Rodolfo Ferreira Ribeiro – Sócio do escritório Ribeiro & Albuqerque – Advogados Associados
Para que seja possível o desenvolvimento de qualquer atividade econômica se faz necessário a obtenção de recursos. Essa capitalização das sociedades em geral se dá através de aporte de capital realizado pelos sócios e/ ou acionistas e, pode, ainda, se dar através do mercado financeiro ou também do mercado de capitais.
A captação de recursos através do mercado de capitais é viabilizada pela emissão de valores mobiliários, definido pelo jurista Fábio Ulhoa Coelho[1] como “instrumentos de captação de recursos pelas sociedades anônimas emissoras, que representam, para quem os subscreve ou adquire, um investimento”.
Ocorre que nem sempre a captação de recursos através do mercado de capitais é viável para pequenas e médias empresas ou, ainda, empresas em estágio inicial, uma vez que a oferta pública de valores mobiliários só é possível diante do atendimento de uma série de requisitos da Comissão de Valores Mobiliários, o que eleva o custo das operações.
Considera-se, ainda, que diante de grandes crises econômicas, essas empresas enfrentam ainda mais dificuldades visto que, em crise, o acesso ao crédito bancário também deixa de ser uma opção.
Contudo, o sistema econômico e, consequentemente, o mercado de capitais está em constante evolução e novas tecnologias propiciam ao surgimento de novos meios de captação de recursos como alternativa.
Uma modalidade relativamente recente de investimento é o “Equity Crowdfunding”, uma das formas do “Crowdfunding”, a saber, financiamento coletivo realizado através de uma plataforma digital, que aparece como uma dessas alternativas de captação de recursos para pequenas empresas e empresas em estágio inicial, principalmente.
“Equity Crowdfunding” ou o “crowdfunding” de investimento e/ ou participação consiste na modalidade de captação de recursos por meio de oferta pública de distribuição de valores mobiliários dispensada de registro, realizada integralmente pela internet, que objetiva viabilizar o financiamento de projetos e empresas. Nessa modalidade, investidores aplicam recursos nas sociedades financiadas através de plataformas digitais e, em contrapartida, recebem ativos financeiros emitidos pela sociedade.
Considerando que o Equity Crowdfunding apresenta características do mercado de capitais, essa modalidade é fiscalizada e regulada pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
Ainda que a prática desta modalidade de investimento tenha se iniciado, no Brasil, em meados de 2014, somente em 2017 a CVM a regularizou, através da instrução nº 588, de 13 de julho de 2017.
De acordo com a referida instrução, pode emitir valores mobiliários através do crowdfunding de investimento a sociedade que: (i) for constituída no Brasil e registrada no registro público competente; (ii) não esteja registrada como emissor de valores mobiliários na CVM; e (iii) tenha receita bruta anual de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) apurada no exercício social encerrado no ano anterior à oferta[2] [3] [4].
Nota-se que a definição de sociedade empresária de pequeno porte nos termos da Instrução em comento não se confunde com a definição de empresa de pequeno porte definida na Lei Complementar nº 123 de 14 de dezembro de 2016 que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
A operação de crowdfunding de investimento é intermediada pelas plataformas de investimento que consistem em pessoas jurídicas regularmente constituídas no Brasil e registradas na CVM com autorização para exercerem profissionalmente tal atividade.
São as plataformas de investimento as responsáveis por assegurar que todos os comandos da regulamentação estão sendo seguidos de forma adequada e, para tanto, possuem uma série de obrigações como, por exemplo, a divulgação de informações sobre os emissores, a orientação aos investidores, a transferência dos recursos do investidor às emissoras e também de volta aos investidores quando o valor mínimo de captação não é atingido, por exemplo, além de ser responsável pela assinatura dos contratos de investimento e entrega aos investidores.
Com relação aos investidores, a instrução não define um perfil específico, contudo, estabelece limites de aplicação com base no patrimônio deste investidor. Qualquer pessoa física ou jurídica pode investir através das plataformas eletrônicas de crowfunding de investimento, porém, a instrução limitou em R$ 10.000,00 (dez mil reais) o valor do investimento anual para cada investidor. Caso a renda bruta anual do investidor ou o montante de seus investimentos seja superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o limite pode ser ampliado para até 10% do maior desses dois valores, também considerando o ano calendário. Há ainda exceção para os investidores considerados qualificados de acordo com a regulamentação da CVM[5].
Para que a oferta de distribuição de valores mobiliários seja dispensada de registro perante a CVM, a instrução em comento estabeleceu que ela deve preencher alguns requisitos, dentre eles: (i) o valor alvo máximo de captação anual não pode ser superior a R$ 5.000.000,00; (ii) o prazo de captação não pode ser superior a 180 dias, e deve ser definido antes do começo da campanha; (iii) deve ser garantido ao investidor um período de desistência de, no mínimo, 7 dias contados a partir da confirmação do investimento, sem a aplicação de qualquer penalidade ou desconto (iv) deve ser respeitado o intervalo de 120 dias para que se inicie uma nova rodada de investimentos, desde que não ultrapassado o valor anual de captação permitido; (v) os valores aportados durante a captação não poderão ser utilizados para fusões, aquisições, incorporações, aquisição de título financeiros de outras sociedades, concessão de crédito a outras sociedades, etc.; (vii) que a oferta pública de crowdfunding de investimento seja realizada por uma única plataforma eletrônica de investimento participativo, obedecendo, ainda uma série de procedimentos, todos listados nos incisos do artigo 5º da Instrução em comento.
Vê-se, diante de todo o exposto, que esta pode ser uma alternativa atraente para empresas em estágio inicial que necessitam captar recursos para colocar em prática seus projetos. As limitações impostas pela instrução que regula essa modalidade de investimento justificam-se por este ser um meio de investimento de alto risco, com títulos de baixa liquidez no início e com grandes chances de insucesso.
Contudo, a regulamentação no Brasil se mostrou apropriada à esta prática, ainda que de forma bem cautelosa. Vê-se um esforço de todos para que essa seja uma prática comum no mercado.
Desde a regulamentação essa modalidade de captação pública de recursos cresceu de forma considerável no Brasil. Segundo a CVM, em 2019, foram realizadas 60 ofertas[6] com sucesso por meio do crowdfunding, um recorde da série histórica, o que representou um valor[7] de R$ 59.043.689,00 destinado ao financiamento das atividades produtivas de sociedades empresárias de pequeno porte, um aumento de 28% em relação a 2018.
Diante deste crescimento e de ser considerada uma modalidade de investimento bem sucedida pela CVM, esta submeteu à audiência pública, uma minuta de instrução que altera a Instrução CVM nº 588/17 em alguns pontos, incluindo a expansão de todos os limites impostos, itens relacionados à proteção dos investidores, alterações visando o aprimoramento de mecanismos operacionais da oferta, dentre outros pontos que poderão ser trazidos em pauta em outro artigo relacionado a este tema.
[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial- direito de empresa. Volume 2 – 18ª Ed. 2014. Ed. Saraiva. p. 161.
[2] Renda bruta anual é a soma dos rendimentos recebidos durante o ano-calendário e constantes da sua declaração de ajuste anual do imposto de renda, incluindo os rendimentos tributáveis, isentos e não tributáveis, tributáveis exclusivamente na fonte ou sujeitos à tributação definitiva.
[3] Caso a empresa não tenha operado doze meses no exercício social encerrado no ano anterior à oferta, o limite considerado passa a ser proporcional ao número de meses que ela de fato exerceu as suas atividades , desconsideradas as frações de meses.
[4] Caso a sociedade seja controlada por outra pessoa jurídica , ou por fundo de investimento, a receita bruta consolidada anual do conjunto de entidades que estejam sob controle comum, não pode exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) no exercício social encerrado no ano anterior à oferta.
[5] Investidores que possuem aplicações financeiras em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e para investidores líderes, caso haja sindicatos de investidores.
[6] 1 Valor considera os dados divulgados nos relatórios anuais de 22 das 26 plataformas registradas na CVM até a data de divulgação deste edital.
[7] Idem.