Jeane Gomes Barreto
No dia 9 de abril de 2025, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu o
julgamento do Tema Repetitivo 1.247 (REsp 1.976.618/RJ e REsp 1.995.220/RJ), firmando
relevante tese jurídica a respeito do direito ao crédito do Imposto Sobre Produto
Industrializado (IPI) nas operações de saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero
ou imunes. Trata-se de decisão pragmática, que pacifica controvérsia histórica travada
entre contribuintes industriais e a Fazenda Nacional, conferindo segurança jurídica e
alinhamento ao sistema da não-cumulatividade do IPI.
A tese firmada pelo STJ estabelece que “o creditamento de Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI), estabelecido no artigo 11 da Lei 9.779/1999, decorrente da aquisição
tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na
industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes”.
Com isso, o Tribunal superior reconhece expressamente que não há distinção jurídica,
para fins de creditamento, entre as diferentes formas de desoneração tributárias
aplicáveis ao produto final.
A controvérsia não é recente. Desde a edição de Lei 9.779/1999, havia divergência quanto
ao alcance da norma, especialmente no que se refere à aplicação do art. 11 em hipóteses
de imunidade tributária, como a prevista para livros, periódicos e papel destinado à sua
impressão2. O dispositivo legal autoriza a manutenção e o aproveitamento de créditos de
IPI decorrentes da aquisição de insumos tributados, inclusive nas hipóteses de saídas
isentas ou com alíquota zero. O ponto de dissenso dizia respeito à possibilidade de
extensão do benefício às saídas imunes ou classificas com “não tributadas” (NT) da TIPI, o que a Fazenda Nacional negava, apoiando-se em interpretação literal restritiva do art. 113
e no art. 111 do CTN4.
Ao longo dos anos, esse entendimento foi internalizado pela Receita Federal, notadamente
a partir do ADI SRF nº 05/2006, que passou a vedar o crédito de IPI nas saídas imunes,
ressalvadas apenas as exportações. O CARF, por sua vez, consolidou a orientação
restritiva por meio da Súmula nº 20, reforçando o entendimento de que não haveria direito
ao crédito nas operações com produtos classificados como NT na TIPI.
Todavia, o cenário jurisprudencial começou a mudar em 2021, com o julgamento dos
Embargos de Divergência no REsp 1.213.143/RS, ocasião em que o STJ admitiu, por
maioria, o direito ao crédito nas hipóteses de saídas imunes. O entendimento vencedor,
consolidado no voto da Ministra Regina Helena Costa, conferiu interpretação sistemática
e teleológica ao art. 11 da Lei nº 9.779/99, compreendendo que a menção às saídas isentas
e com alíquota zero não era taxativa, mas exemplificativa, em razão do uso do vocábulo
“inclusive”.
O julgamento de abril de 2025 representa a consolidação definitiva dessa interpretação. O
Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, foi enfático ao afirmar que a natureza jurídica da
desoneração da saída, seja isenção, alíquota zero ou imunidade, não altera o direito ao
creditamento, desde que demonstrada a aquisição de insumos tributados e a efetiva
aplicação destes no processo de industrialização.
A tese, portanto, alinha a legislação infraconstitucional com os princípios constitucionais
da não-cumulatividade e da neutralidade fiscal, garantindo que o IPI incida apenas sobre
o valor agregado e não se converta em ônus oculto sobre produtos beneficiados por
desoneração.
3Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre
calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem,
aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte
não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade
com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas
expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.
4
Art.
111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II – outorga de isenção;
Com a fixação da tese em sede de recurso repetitivo, a decisão passa a ter efeito
vinculante, nos termos do art. 927, III do CPC5, e deverá ser obrigatoriamente observada
por todas as instâncias do Poder Judiciário e pela Administração Tributária federal. Espera
se, inclusive, que haja revisão da Súmula CARF nº 20 e dos atos normativos ainda em vigor
que contrariem o novo entendimento, como o próprio ADI nº 05/2006.
Do ponto de vista prático, a decisão abre espaço para que os contribuintes mantenham
integralmente os créditos de IPI apurados nas aquisições de insumos tributados, mesmo
quando empregados na fabricação de produtos imunes. Além disso, permite a adoção de
providências para restituição ou compensação de créditos acumulados nos últimos cinco
anos, desde que respeitado o prazo decadencial e observadas as exigências formais
previstas na legislação fiscal.
Recomenda-se, portanto, que os contribuintes realizem levantamento detalhado das
operações abrangidas pela nova interpretação, revisem seus procedimentos de
escrituração e apuração do IPI, e, se for o caso, formulem pedidos administrativos de
ressarcimento ou compensação dos créditos anteriormente estornados ou não
aproveitados por cautela. A decisão também impõe a necessidade de adequação dos
sistemas contábeis e fiscais internos, de modo a refletir a possibilidade de manutenção
dos créditos, independentemente da tributação na saída.
Trata-se de importante vitória dos contribuintes industriais, que agora podem contar com
respaldo jurisprudencial consolidado para afastar interpretações restritivas que
contrariavam a lógica da não-cumulatividade. O julgamento do Tema 1.247 representa,
portanto, um marco para o direito tributário brasileiro, garantindo coerência normativa,
previsibilidade e isonomia na aplicação do regime fiscal do IPI.
Palavras-chave: Crédito de IPI; Tema 1.247; Produtos imunes; Não-cumulatividade; Lei
9.779/1999.
5 Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (…) III – os acórdãos em incidente de assunção de
competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e
especial repetitivos;