Este artigo tem por objetivo traçar breves considerações acerca da ilegalidade do reajuste feito anualmente nos planos de saúde dos idosos, haja vista que com o aumento da expectativa de vida da população brasileira, um maior número de pessoas idosas têm contratado Planos de Saúde e consequentemente, vêm sofrendo com os aumentos da mensalidade.
Segundo a ANS (Agência Nacional de Saúde), as empresas devem respeitar o limite de reajuste estipulado pela legislação, o que não vem ocorrendo em diversas situações, uma vez que são impostos aumentos abusivos.
Conceitos Gerais
Os contratos de planos de Saúde são considerados como uma típica relação de consumo, por neles figurarem consumidor, fornecedor e a prestação de serviços.
Configura-se típico contrato de adesão, já que decorre do fenômeno da contratação em massa e detém as características da unilateralidade e inalterabilidade, ou seja, não há individualidades. As cláusulas são pré-estabelecidas pelo prestador de serviços, conforme destacado no art. 54¹ do Código de Defesa do Consumidor.
Como acontece em todos os contratos, os planos de saúde podem sofrer reajustes no decorrer da prestação de serviços, podendo se dar: por sinistralidade, de legalidade questionável, reajuste anual e o reajuste por mudança de faixa etária, este último devendo obedecer diversos critérios para ser aplicado.
Partindo dessa premissa, a Lei dos Planos de Saúde, regulamenta em seu art. 17-A, § 2º e 3º ², as regras do prazo de aplicabilidade do reajuste anual, sendo que referidas regras deverão estar dispostas com clareza no contrato de prestação de serviços e o valor pecuniário deverá ser reavaliado e realizado no prazo de 90 dias do início do ano-calendário, considerando que na hipótese de vencido o prazo, a ANS (Agência Nacional de Saúde) irá definir o índice de reajuste.
O reajuste por mudança de faixa etária é aquele que irá variar de acordo com a faixa etária do consumidor, porém, essa reavaliação de valores precisa cumprir regras determinadas pela (i) ANS; (ii) Estatuto do Idoso; (iii) Lei dos Planos de Saúde e (iv) Código de Defesa do Consumidor, principalmente no que tange ao reajuste para pessoas maiores de 60 anos.
A ANS na Resolução Normativa 63/03, definiu normas e as faixas etárias que devem ser utilizadas como parâmetro para reajustar os valores do plano de saúde, sendo assim, os absurdos valores antes cobrados aos idosos acima de 60 anos passaram a ser proibidos, não podendo a partir de então, haver o reajuste de variação por faixa etária e nem aumentos anuais abusivos.
Em 2018, a ANS (Agência Nacional de Saúde), estabeleceu uma nova metodologia para regulamentar os reajustes dos planos de saúde individuais ou familiares. O novo índice se baseia na despesas médicas das operadoras nos planos individuais e na inflação geral da economia, que serão aplicados para os contratos firmados após 1º de Janeiro de 1999 ou aqueles adaptados à Lei 9.656/98. Com isso, podemos conceber que para análise do percentual de reajuste de qualquer contrato devemos primeiramente, identificar se estão ou não enquadrados na Resolução 441/18 da ANS.
Possibilidade/ Impossibilidade
Os planos de saúde são atualmente regidos pela lei 9.656/98, enquanto a lei nº 9.961/2000 atribuiu a ANS a responsabilidade de controlar os reajustes realizados nas mensalidade dos planos de saúde.
Esse controle acontece de diferentes maneiras, respeitando-se os limites legais correspondentes à proteção do consumidor, proteção do idoso, à solidariedade intergeracional do sistema de saúde suplementar.
Os planos de saúde contratados antes de 02 de janeiro de 1999, que não foram ajustados à Lei n° 9.656/98, chamados de planos antigos, são considerados, por força de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade acolhida pelo STF, como atos jurídicos perfeitos, sendo assim, nesses casos, os reajustes devem seguir o que estiver estipulado no contrato, assim como os planos coletivos empresariais, contratados por intermédio de uma pessoa jurídica, que não são regulados pela agência reguladora, pois tratam de norma contratual definida entre a operadora de planos de saúde e a pessoa jurídica contratante, através da livre negociação, devendo apenas, o pactuado ser comunicado à ANS em até 30 (trinta) dias após o aumento no preço.
Segue entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do E. Tribunal de Justiça de São Paulo sobre o assunto:
“Assim, para os reajustes anuais nos planos privados individuais ou familiares de assistência suplementar à saúde, condicionou-se a sua aplicação à prévia aprovação pela ANS, que divulga, também anualmente, os percentuais máximos de reajuste da contraprestação pecuniária. Nos planos coletivos, ao contrário, a atuação da Agência Reguladora restringe-se, nesse aspecto, a monitorar o mercado, de modo que os parâmetros para a majoração são decorrentes da livre negociação entre a operadora e a pessoa jurídica estipulante, possuidora de maior poder de negociação, a resultar, comumente, na obtenção de valores mais vantajosos para si e seus beneficiários”. 1 “Havendo acordo expresso entre a apelante e a estipulante quanto ao percentual aplicado, não se impõe à apelante comprovar, nesta demanda, a ‘real necessidade’ do reajuste e do percentual em questão, aplicável por força contratual (…). Não estando satisfeito com o contrato coletivo por adesão, tem o apelado a possibilidade de contratar plano de saúde diverso, inclusive, individual/familiar, com outras condições.” (TJSP, Apelação nº 1081343-07.2014.8.26.0100, 8ª Câmara Direito Privado, rel. Des. GRAVA BRAZIL, j. 16.03.2016).”
“Apelação cível. Plano de saúde. Ação declaratória de nulidade de cláusula de contrato com pedido de repetição do indébito. Insurgência quanto aos reajustes anuais por sinistralidade. Sentença de improcedência. Apelação da autora. Pretensão de que as mensalidades sejam reajustadas pelo índice da ANS para planos individuais. Reajustes que foram negociados pela associação e plano de saúde. Reajustes que não estão vinculados aos índices autorizados pela ANS para planos individuais e que não se mostram em desacordo com os praticados no mercado. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação 1019565-65.2016.8.26.0100; Relator (a): Silvério da Silva; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 35ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2017; Data de Registro: 14/08/2017).”
Quanto aos demais planos de saúde, existem três tipos de reajustes que podem sobrevir em suas mensalidades e que ocorrem sob o controle da agência reguladora: o reajuste anual, o reajuste por sinistralidade e o reajuste por mudança de faixa etária.
O reajuste por mudança de faixa etária é o aumento imposto ao consumidor cada vez que o beneficiário extrapola uma das faixas etárias pré-definidas em contrato. Pode ocorrer tanto pela mudança de idade do titular como dos dependentes do plano. Cada faixa etária possui um perfil médio de utilização dos serviços de um plano de saúde.
Isso acontece porque, em geral, por questões naturais, quanto mais idosa a pessoa, mais necessários e frequentes se tornam os cuidados com a saúde.
Nesse sentido, o STJ decidiu, em recente julgamento de recurso repetitivo, pela legitimidade do reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar por mudança de faixa etária do segurado, considerando que a fixação do preço a ser pago por cada indivíduo dá-se em valores que dependem diretamente da faixa etária de cada um e, por serem grupos de riscos diferenciados, a legislação que normatiza os planos de saúde permite tal forma de organização das contribuições dos associados.
Dessa forma, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS – estipulava que os reajustes por mudança de faixa etária seriam autorizados em sete faixas, sendo elas: 0 a 17 anos; 18 a 29 anos; 30 a 39 anos; 40 a 49 anos; 50 a 59 anos; 60 a 69 anos; e 70 anos de idade.
Contudo, com o advento do “Estatuto do Idoso” proibiu-se a discriminação do idoso nos planos de saúde através da variação dos valores em razão da mudança de faixa etária.
Neste ponto, para adaptar a lei de regulação de planos e seguradoras de saúde ao Estatuto do Idoso, a ANS estabeleceu dez novas faixas etárias, através da Resolução Normativa 63/03, assim distribuídas: 0 a 18 anos; 19 a 23 anos; 24 a 28 anos; 29 a 33 anos; 34 a 38 anos; 39 a 43 anos; 44 a 48 anos; 49 a 53 anos; e 59 anos em diante. Já nos planos antigos aplica-se o disposto na Súmula 91 do E. TJSP. In verbis:
“Ainda que a avença tenha sido firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária”
Assim, até atingir essa idade limite de 59 anos, é necessário que os reajustes por faixa etária sejam feitos para que se possa garantir o equilíbrio entre os que usam menos e os que usam mais o plano de saúde, já que todos são parte da mutualidade.
Ademais, para que as contraprestações financeiras dos idosos não ficassem extremamente dispendiosas, o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da solidariedade intergeracional, em que os mais jovens suportam parte dos custos gerados pelos mais velhos, originando, assim, subsídios cruzados.
Ressalta-se, que para haver legitimidade do referido reajuste, este condiciona-se, segundo a referida decisão judicial, ao preenchimento dos seguintes requisitos: (i) existência de previsão legal; (ii) observância das normas expedidas pelos órgão governamentais reguladores e (iii) que os percentuais deverão ser razoáveis.
Portanto, de acordo com a decisão do STJ, ficou proibida a aplicação de percentuais desarrazoados ou aleatórios que concretamente e sem base de atualização idônea, onerem excessivamente o consumidor ou gerem algum tipo de discriminação ao idoso.
Ainda com relação ao requisito de percentuais razoáveis utilizados para o reajuste, o consumidor deve se atentar à Resolução Normativa 63/03, a qual fixou a seguinte regra para o reajuste por mudança de faixa etária: o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira faixa etária, bem como que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixas não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixas.
Faixas Etárias conforme artigo 2º da Resolução Normativa nº 63/03 | |
I | 0 (zero) a 18 (dezoito) anos; |
II | 19 (dezenove) a 23 (vinte e três) anos; |
III | 24 (vinte e quatro) a 28 (vinte e oito) anos; |
IV | 29 (vinte e nove) a 33 (trinta e três) anos; |
V | 34 (trinta e quatro) a 38 (trinta e oito) anos; |
VI | 39 (trinta e nove) a 43 (quarenta e três) anos; |
VII | 44 (quarenta e quatro) a 48 (quarenta e oito) anos; |
VIII | 49 (quarenta e nove) a 53 (cinqüenta e três) anos; |
IX | 54 (cinqüenta e quatro) a 58 (cinqüenta e oito) anos; |
X | 59 (cinqüenta e nove) anos ou mais. |
Não fosse o bastante, o artigo 6º, III e IV do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ainda estabelece que o consumidor tem direito à informação adequada e clara sobre os diferentes serviços, com especificação correta de características como qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam, bem como à proteção contra a publicidade enganosa, e também contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.
Todavia, o recente julgado não dispôs expressamente a respeito dos planos e seguradoras de saúde observem o princípio mencionado acima ao informar ao segurado a base de atualização e cálculo utilizado para o reajuste, isto é, a complexidade do cálculo, com fatores unilaterais e indisponíveis mesmo quando requisitados pelo usuário, não permite ao consumidor ter clareza de quanto será o seu reajuste.
O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 51 permite a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais e que cause a onerosidade excessiva ao consumidor, reconhecendo nulas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem abusiva.
Nesse sentido a jurisprudência vem corroborando:
“Não obstante a legalidade formal do contrato entabulado entre as partes verifica-se que no presente caso, a abusividade do aumento praticado, consiste na verdade, na proporção do último aumento por idade aplicado ao contrato. Evidente que o Estatuto do Idoso e a vedação de discriminação de indivíduos a partir de 60 anos em planos de saúde tem por função precípua assegurar a dignidade dos indivíduos em idade avançada, bem como seu acesso à saúde. Nesse sentido, óbvia a necessidade de fixação de um parâmetro, qual seja, a idade de 60 anos. Não obstante, estipular reajustes abusivos para a idade de 59 anos, embora não ofenda formalmente o Estatuto do Idoso, acaba por obstar, da mesma maneira, o acesso aos planos de saúde para aqueles em idade avançada. Admitir tão elevado aumento em idade crítica significaria, em última análise, inviabilizar a continuidade do contrato por parte do consumidor, após longos anos de contribuição, o que, à luz da CF, não se admite. Razoável, assim, seja feita intervenção no contrato” (destacamos) (Apelação Cível nº 0070305-70.2010.8.26.0224).
Nesse cenário, tem-se que a cláusula contratual deve adequar-se tanto à Resolução Normativa 63/03, quanto à lei 9.656/98, o Código de Defesa do Consumidor, bem como o Estatuto do Idoso, caso contrário decorrerá a sua nulidade de pleno direito.
Sendo assim, frente à existência de tais regras, se autoriza a modificação de cláusulas abusivas ou até mesmo a revisão contratual pelo Poder Judiciário, posto que trata-se de contrato em que os consumidores não participam da elaboração das cláusulas, de maneira que o usuário poderá discutir judicialmente o reajuste efetivado em sua mensalidade.
Opinião
O contrato de plano de saúde, seguro saúde ou convênio médico possui natureza jurídica de um contrato de trato sucessivo, por tempo indeterminado, pelo qual, mediante pagamento de prêmio, o segurador se compromete, em favor do contratante ou de terceiro beneficiário, prestação de serviço médico, em redes próprias ou conveniada e até o reembolso das despesas.
Ante o exposto, observamos que os reajustes por faixa etária encontram respaldo na legislação e jurisprudência, de modo, que só podem ocorrer se observados requisitos, que pretendem minimizar a onerosidade excessiva ao Idoso, neste sentido o quanto à matéria em debate, no julgamento do REsp1.582.244, o STJ firmou a tese (Tema 952):O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que:
- haja previsão contratual;
- sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores
- não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base de atualização idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso.
A despeito do anteriormente mencionado, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem aplicando a Súmula 91do próprio Tribunal que combinando com a Súmula 100 da mesma Corte submete os contratos de plano/seguro ao Código do Consumidor e, que independente da vigência, proíbe o reajuste da mensalidade de plano de saúde por mudança de faixa etária, nos termos do disposto no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso.
Este entendimento vem sendo aplicado, mas não de maneira homogênea, existindo ainda grande divergência acerca da matéria e sua aplicação ao caso concreto.
Todavia, não se deve considerar abusivo todo e qualquer reajuste realizado em contrato de idosos, mas somente o reajuste desarrazoado, que no caso concreto demonstre verdadeiro fator de discriminação,portanto, inconstitucional, que configure coação para a saída do segurado idoso do plano de saúde.
O presente artigo foi elaborado pelo Grupo de Estudos e Debates de Casos Práticos do escritório Ribeiro & Albuquerque, sendo o resultado de estudos desenvolvidos pelos próprios acadêmicos, sob a supervisão sempre de um advogado responsável.
Integrantes do Grupo de Estudo: Pedro Pacheco; Rafaela Bacarini; Mariana Luz; Samira Soriano; Danielle Telles.
Supervisão e edição final: Sabrina Senechal – Advogada – OAB/SP 414.827