Por: Pedro Pongidor Pacheco – Estagiário do escritório Ribeiro & Albuquerque – Advogados Associados
Coordenação: Thais Motelevicz Martins dos Santos – Advogada do escritório Ribeiro & Albuquerque – Advogados Associados.
O contrato de facção está cada vez mais sendo utilizado pelo ramo têxtil, sendo que este tipo de contrato possui natureza comercial, pois é pactuada a entrega do produto ao contratante para posterior comercialização.
Este tipo de modalidade contratual tem resultado em alguns questionamentos que são levados ao judiciário, principalmente no âmbito trabalhista, gerando dúvidas se essa modalidade não seria uma terceirização de serviços, o qual possui efeitos diferentes no âmbito da justiça do trabalho.
Sendo assim, há decisões judiciais que nos auxiliam a entender a diferença destes modelos de contrato e em quais circunstâncias o Poder Judiciário pode descaracterizar a natureza civil do contrato de facção ou, inclusive, reconhecer o vínculo de emprego direto, conforme veremos a seguir.
Dos cuidados para não caracterização de vínculo de emprego
O contrato de facção nada mais é do que um fragmento de processo fabril, onde se utiliza como base para análise de métodos e técnicas que submetem a um detalhado estudo de cada operação e suas respectivas tarefas, sendo possível auxiliar e determinar o método mais eficiente para execução de uma tarefa.
Atualmente, vive-se um tempo de constantes mudanças, caracterizado pelas alterações das estruturas sociais, não sendo diferente em relação ao processo produtivo e muitas empresas optam por realizar este tipo de contrato diretamente com as costureiras.
Por meio do contrato de facção, não há impedimento para que estes(a) profissionais possam requerer judicialmente vínculo empregatício, de toda forma, a empresa deverá observar os seguintes pontos:
Para ser caracterizado o vínculo empregatício, a CLT disciplina alguns requisitos, sendo elas: serviço prestado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade.
Desta forma, trata-se de prestação de serviço a ser realizada por pessoa física, sendo a pessoalidade quando somente pode ser aquela pessoa que pode prestar o serviço contratado, não podendo solicitar que um terceiro trabalhe em seu lugar.
A não eventualidade se refere ao fato de haver trabalho de forma contínua e habitual, além disso, não há previsão legal de qual o período mínimo de dias trabalhados para considerar o vínculo empregatício.
A subordinação pode ser caracterizada pelo recebimento de ordens quanto ao serviço prestado, horário de trabalho entre outros pontos, e por fim, a onerosidade determina que os serviços prestados tenham sido remunerados.
Portanto, quando da execução do contrato por facção a empresa não realiza qualquer ingerência no desenvolvimento econômico da contratada, estabelecendo regras, cumprimento de horário, devendo se ater a analisar a qualidade das peças produzidas, pois ao contrário disso, o contrato de facção poderá ser descaracterizado, podendo ser reconhecido o vínculo empregatício.
Um ponto não citado, mas importante a ser observado é em relação a exclusividade, pois muito embora o vínculo de emprego não exija como requisito a exclusividade, nestes tipos de contrato o Poder Judiciário analisa esta situação em vários julgados, justamente por se tratar de um contrato comercial.
Do Contrato de Facção x Terceirização
Neste modelo contratual, de natureza jurídica essencialmente comercial, determinada empresa repassa a terceiros a realização de dada atividade integrante da produção, efetuando o pagamento apenas pelas unidades encomendadas e entregues, que se tornou uma prática comum no ramo têxtil.
Desta forma, um dos pontos a serem observados para a contratação desta modalidade é que seja feita por uma empresa e até mesmo por intermédio de um empresário individual ou Microempreendedor Individual, uma vez que o contrato de facção tem por objeto o fornecimento de produtos prontos e acabados de uma empresa para outra.
Em decisão do Tribunal Superior do Trabalho, entendeu-se que “o contrato de facção se destina ao fornecimento de produtos por um empresário a outro, a fim de que deles se utilize em sua atividade econômica.”[1]
Portanto, há entendimento de que o contrato de facção se trata de um contrato comercial entre empresa contratante e contratada, uma vez que o objeto contratado é o produto acabado e não a mão de obra utilizada na sua produção propriamente dita, ou seja, não seria o caso de uma terceirização.
Há casos em que o reclamante pleiteia a responsabilidade destas empresas de confecções nas reclamatórias trabalhistas, por entender que o durante contrato de trabalho essas empresas foram beneficiadas com o seu trabalho, por consequência, também responderiam pelos débitos trabalhistas que forem deferidos no processo.
Nas palavras de Sérgio Pinto Martins:
“o contrato de facção é negócio jurídico entre uma pessoa e outra para fornecimento de produtos prontos e acabados, em que não há interferência da primeira na produção. A natureza do contrato de facção é híbrida, pois existe prestação de serviços e fornecimento de bens. (…) O objetivo do contrato de facção não é o fornecimento de mão de obra para se falar em terceirização de mão de obra. (…) Se não existe exclusividade na confecção por parte da contratada, pois esta presta serviços para outras empresas, não se pode falar em responsabilidade.(…) Não há que se falar em fiscalização por parte da contratante em relação aos empregados da contratada, pois não se trata de prestação de serviços em sentido estrito. Logo, não se pode falar em responsabilidade subsidiária e na aplicação do inciso IV da Súmula 331 do TST (…)”[2]
Portanto, para evitar que isso ocorra, é necessário observar que alguns Tribunais analisam se a empresa contratante realiza ingerência na administração da empresa contratada ou possui a exigência de exclusividade, portanto, este é um dos cuidados que devem ser observados na gestão destes contratos.
Vejamos algumas decisões, neste sentido:
CONTRATO DE FACÇÃO. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS EMPRESAS CONTRATANTES. Os contratos de facção não se confundem com a intermediação de mão-de-obra ou terceirização de serviços dispostos na Súmula nº 331, do TST, diante da diversidade de tomadores (ausência de exclusividade na prestação dos serviços), independência econômica e administrativa da empresa (facção) que presta serviços a diversas tomadoras, e também porque seus empregados não estão subordinados à empresa contratante. (TRT12 – RORSum – 0000034-57.2020.5.12.0052 , Rel. HELIO BASTIDA LOPES , 1ª Câmara , Data de Assinatura: 01/12/2020)
(TRT-12 – RO: 00000345720205120052 SC, Relator: HELIO BASTIDA LOPES, Data de Julgamento: 25/11/2020, Gab. Des. Helio Bastida Lopes) (grifo nosso).
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. INAPLICABILIDADE. Potencializada a indicada contrariedade à Súmula nº 331, IV, do TST, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o julgamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO. SÚMULA Nº 331, IV, DO TST. INAPLICABILIDADE. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de afastar a responsabilidade subsidiária nos casos de contrato de facção, por se tratar de um contrato civil, na área industrial e de natureza híbrida, especialmente quando evidenciada a ausência de exclusividade ou ingerência na administração da prestação de serviços. No caso em exame, verificado que a única premissa a sustentar a conclusão do Regional quanto ao desvirtuamento do contrato de facção, com consequente atribuição de responsabilidade subsidiária à recorrente, se deu em face da inserção do objeto contratual em atividade finalística da empresa, o recurso de revista é conhecido e provido, em face da má aplicação do item IV da Súmula nº 331 do TST. Recurso de revista conhecido e provido.
(RR – 20330-42.2014.5.04.0373, 5ª Turma, Relator Ministro João Pedro Silvestrin, DEJT 20/11/2020). (grifo nosso)
Desta forma, quando no cumprimento do contrato em sua finalidade, sem qualquer ingerência e ou imposição de exclusividade, o Judiciário tem mantido a natureza comercial do contrato, sem qualquer responsabilidade nas reclamatórias trabalhistas.
Ao contrário de quando comprovado no processo que houve ingerência da empresa contratante, o Tribunal Superior do Trabalho descaracterizou o contrato de facção, senão vejamos:
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. TRANSCENDÊNCIA RECONHECIDA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO DESCARACTERIZADO. INGERÊNCIA DA SEGUNDA RECLAMADA NA PRODUÇÃO. Demonstrada possível contrariedade a Súmula 331, IV, V, do TST, impõe-se o provimento do agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido . II – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017 . RITO SUMARÍSSIMO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO DESCARACTERIZADO. INGERÊNCIA DA SEGUNDA RECLAMADA NA PRODUÇÃO. Extrai-se do acórdão recorrido o trecho da sentença que revela a ingerência da segunda reclamada no processo produtivo da primeira reclamada, circunstância que descaracteriza o contrato de facção. Salienta-se que no acórdão recorrido não há prova da ausência da exclusividade. Em razão da ingerência no processo produtiva da primeira reclamada pela segunda reclamada, infere-se que a relação entre as reclamadas é de terceirização. Restando demonstrada a prestação de serviço, impõe-se a responsabilidade subsidiária da tomadora do serviço, quando do descumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora, nos termos da Súmula nº 331, IV, V, do TST. Recurso de revista conhecido e provido ” (RR-20142-80.2018.5.04.0382, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 27/11/2020). (grifo nosso)
Portanto, ao contrário de um contrato de terceirização que a empresa deve fiscalizar o cumprimento legal das obrigações trabalhistas da empresa contratada em relação aos funcionários, quando se fala em contrato de facção, de natureza comercial, deve evitar a ingerência nas respectivas empresas, bem como não impor exclusividade destes trabalhos, sob pena de ser reconhecido a terceirização, por consequência, a responsabilidade em reclamatória trabalhistas das empresas contratadas.
CONCLUSÃO
Quando na gestão deste modelo contratual, a empresa contratante deve observar os pontos elencados neste artigo, para que seja realizado um controle sobre a execução finalística do contrato, evitando assim, dissabores futuros perante a Justiça do Trabalho.
Além disso, é importante saber em quais situações podem ser reconhecido o vínculo empregatício, bem como a descaracterização da natureza comercial que este modelo contratual possui, evitando assim, o reconhecimento como terceirização.
[1] TST – RR: 2143220105090303, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 21/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/10/2015
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Contrato de facção. LTr – Suplemento Trabalhista. São Paulo, a. 52, n. 53, p. 297-300, 2016.