Muito tem se falado a respeito da pretensão do Município de Cotia em revogar (excluir) o direito dos servidores públicos em cargos de comissão à incorporação de décimos.
Tal direito está previsto no art. 144 da LOM (Lei Orgânica do Município) e assim dispõe:
“Art. 144 O servidor com mais de 5 (cinco anos) de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer, a qualquer título, cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para qual foi admitido, incorporará 1/10 (um décimo) dessa diferença, por ano, contínuo ou não, até o limite de 10/10 (dez décimos).”
Na prática o artigo 144 autoriza a incorporação aos vencimentos do servidor de 1/10º sobre a diferença entre o salário atual (na função comissionada) e o salário do cargo efetivo – por ano (limitado a dez décimos).
Ou seja, um servidor público que trabalhou por 5 anos na função comissionada “y”, recebendo uma diferença em relação ao seu cargo efetivo “x” no valor de R$ 500,00, incorporará por ano nos vencimentos do cargo efetivo “x” o valor de R$ 50,00, somando, ao final de 10 anos, o valor de R$ 500,00 acrescidos ao vencimento.
Note que a lei prevê a incorporação dessa diferença ao seu vencimento. Portanto, temos regra especifica de alteração do próprio vencimento e não apenas um adicional transitório.
Ocorre que um projeto de emenda datado de 10 de março de 2016 prevê a revogação do art. 144 da LOM.
A justificativa para tanto, consoante consta da mensagem do Prefeito à Câmara Municipal (ofício GP DAOL nº 14/2016) é no seguinte sentido:
“[…]
Tal medida de contenção de despesas mostra-se imperiosa em virtude da grave crise econômica que vive o país, com sérios reflexos nas finanças municipais.
Saliente-se que, de acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o servidor público não possui direito adquirido à permanência no regime jurídico funcional anterior, tampouco a preservar determinando regime de cálculo de vencimentos ou proventos.”
Cuidemos nessas breves considerações apenas dos aspectos jurídicos do tema sem análise da questão política e opinião particular a respeito da legitimidade ou não na exclusão de determinada vantagem em razão da crise financeira.
O STJ e STF de fato possuem jurisprudência que afasta o direito adquirido a determinado regime jurídico funcional. Em outras palavras, inexiste direito adquirido ao servidor que lhe garanta permanecer em determinando conjunto de regras que venha a ser posteriormente modificado.
Tal entendimento se deu após o STF avaliar que inexiste conflito entre a estabilidade financeira e o art. 37, XIII da CF/88.
Porém, tais decisões emanadas pelo STF ocorreram quando da análise da seguinte situação: Poderiam os servidores que tiveram a incorporação de décimos ou quintos usufruir do mesmo reajuste previsto aos cargos comissionados? A resposta da Corte Superior foi negativa conforme diversos precedentes (RE 226.462, Pertence, T. Pleno, RTJ 177/973; RREE 222.480 e 223.425, Moreira Alves, T. Pleno, 9.12.98; AI 465.090-AgR, 1ª T., Pertence, DJ 23.04.2004).
Ou seja, inexiste de fato direito adquirido que garanta ao servidor permanecer em determinado regime jurídico.
A questão que vem causando preocupação aos servidores públicos do Município é a possibilidade de tais décimos serem excluídos dos vencimentos dos servidores. A resposta é não. Isso se dá pelo simples fato de que a legislação gera efeitos para o futuro e não pode, portanto, atingir o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido (art. 5º, XXXVI da CF/88 e art. 6º da LINDC). Nesse sentido:
“Servidores estaduais: a jurisprudência do Supremo Tribunal não reconhece a existência de direito adquirido, em razão da estabilidade financeira, a regime remuneratório anterior, aos servidores que incorporaram vantagens atribuídas a cargos e funções cujo cálculo foi desvinculado por legislação posterior, se ditada para o futuro e respeitada a garantia da irredutibilidade de vencimentos. Precedentes (RE 226.462, Pertence, T. Pleno, RTJ 177/973; RREE 222.480 e 223.425, Moreira Alves, T. Pleno, 9.12.98; AI 465.090-AgR, 1ª T., Pertence, DJ 23.04.2004).” (RE 526.212-AgR, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 14/09/2007) GN
Por este motivo, caso seja aprovada e publicada a revogação ao art. 144 da LOM, tal alteração terá efeito somente para os décimos que ainda não foram incorporados aos vencimentos, ou seja, para aqueles que o servidor ainda viria a adquirir.
Qualquer medida em sentido aposto, que vise retirar os décimos já incorporados pode e deve ser objeto de medida judicial que vise restabelecer o direito do servidor.