No dia 22 de outubro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou um caso envolvendo trabalhador contratado como Pessoa Jurídica (PJ), mas que, ao longo do processo, teve seu vínculo reconhecido como empregatício. Isso gerou a discussão sobre a cobrança retroativa de tributos e encargos previdenciários, bem como a possível devolução de valores pagos como PJ. A decisão levantou questões importantes sobre o que acontece quando uma relação contratual de prestação de serviços é considerada um vínculo de emprego.
O Que é o Reconhecimento de Vínculo Empregatício?
Em termos simples, o reconhecimento de vínculo empregatício ocorre quando, mesmo que um trabalhador tenha sido contratado como pessoa jurídica (PJ), a Justiça entende que ele, na prática, exerce suas atividades como um empregado, ou seja, com características típicas de um vínculo de emprego. Para que isso aconteça, a Justiça do Trabalho avalia alguns critérios definidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a subordinação (o trabalhador estar sujeito às ordens do empregador), a pessoalidade (só ele pode realizar a tarefa), a onerosidade (recebe uma remuneração) e a não-eventualidade (o trabalho é contínuo, não esporádico).
Quando esses critérios estão presentes, a Justiça pode decidir que a relação de trabalho não era, na verdade, um contrato de prestação de serviços, mas sim um vínculo empregatício.
O Que é Pejotização?
A “pejotização” ocorre quando uma pessoa é contratada como PJ, mas, na prática, realiza atividades com as mesmas características de um empregado, como ter horários fixos e ser subordinado a um superior. Em casos assim, a Justiça pode desconsiderar o contrato de PJ e reconhecer os direitos trabalhistas, como FGTS, férias, 13º salário e outros benefícios típicos de um empregado registrado.
Quais São as Consequências de Reconhecer um Vínculo Empregatício?
Quando o vínculo empregatício é reconhecido, a empresa pode ser condenada a pagar direitos trabalhistas retroativos, ou seja, valores que deveriam ter sido pagos durante o tempo em que o trabalhador estava atuando sob um contrato de PJ. Isso inclui o pagamento de FGTS, férias, 13º salário, entre outros, além de encargos previdenciários.
Em casos de “pejotização”, a Justiça pode ainda determinar que o trabalhador seja reembolsado por valores pagos a mais enquanto pessoa jurídica, já que, ao ser reconhecido como empregado, ele teria direito a esses benefícios.
E Sobre os Tributos?
Um ponto importante discutido no STF foi sobre a responsabilidade do trabalhador nos tributos. Quando a relação de trabalho é reconhecida como de emprego, tanto o empregador quanto o trabalhador precisam pagar tributos que são específicos para o regime da CLT. Isso inclui a contribuição para o INSS, o pagamento do FGTS e outros encargos.
No entanto, o ministro Alexandre de Moraes sugeriu que o trabalhador, ao buscar o reconhecimento de vínculo empregatício, também seja responsável pelos tributos que ele teria que pagar, caso estivesse desde o início registrado como empregado. A ideia é que tanto o trabalhador quanto o empregador se beneficiaram da carga tributária reduzida no regime de PJ, e, por isso, ambos devem arcar com as consequências da mudança.
O Trabalhador Pode Pedir a Devolução dos Tributos Pagos Como PJ?
Sim, o trabalhador pode pedir a devolução dos tributos pagos enquanto PJ. Isso se baseia no princípio de que ninguém deve enriquecer sem motivo legítimo. Como a relação foi reclassificada pela Justiça, os tributos pagos sob o regime de PJ tornam-se indevidos, e o trabalhador tem direito à devolução desses valores. Além disso, a tributação no regime PJ não leva em conta a real capacidade econômica do trabalhador, que, ao ser considerado empregado, não se encaixa nas condições típicas de uma pessoa jurídica.
Como Pedir a Restituição dos Tributos?
Para pedir a devolução dos tributos pagos indevidamente, o trabalhador pode recorrer à Justiça, com base no Código Tributário Nacional. Se a relação de trabalho foi reclassificada e o trabalhador foi reconhecido como empregado, ele tem o direito de pedir a restituição dos valores pagos a mais, como INSS e outros impostos que não se aplicavam à sua situação real.
Quando é Viável e Seguro Entrar com o Pedido?
Para decidir se é viável e seguro solicitar a devolução dos tributos pagos indevidamente, é essencial entender a diferença entre a carga tributária incidente sobre o faturamento da empresa e os tributos devidos em uma relação de trabalho, após o reconhecimento do vínculo empregatício. O exemplo abaixo ilustra uma situação hipotética em que um trabalhador atuava como Pessoa Jurídica (PJ) e, posteriormente, teve seu vínculo reconhecido pela Justiça do Trabalho.
Contexto: Antes da Decisão da Justiça do Trabalho Reconhecendo o Vínculo de Emprego
- Faturamento Mensal (PJ): R$ 10.000,00
- Tributos devidos (16,33%): R$ 1.633,00
- Valor recebido como PJ: R$ 8.367,00
Contexto: Após a Decisão da Justiça do Trabalho Reconhecendo o Vínculo de Emprego
- Salário (CLT): R$ 10.000,00
- IRRF (27,5%): R$ 1.604,10
- INSS: R$ 908,86
- Valor líquido recebido como CLT: R$ 7.487,04
Análise da Viabilidade do Pedido
- Tributos pagos como PJ: Como PJ, o trabalhador pagava uma carga tributária reduzida, com tributos totais de R$ 1.633,00 sobre R$ 10.000,00 de faturamento (aproximadamente 16,33%). Ao ser reconhecido como empregado, a tributação passa a ser mais elevada, com IRRF de 27,5% e INSS de 9,3%, o que resulta em um valor líquido mais baixo (R$ 7.487,04).
- Viabilidade do pedido de restituição: Quando o vínculo empregatício é reconhecido, pode-se pleitear a devolução dos tributos pagos indevidamente como PJ, já que o regime de tributação era mais favorável. Contudo, essa análise exige uma verificação cuidadosa do processo trabalhista. É necessário avaliar se a relação foi realmente configurada como empregatícia e se houve algum acordo que pudesse isentar o pagamento dos tributos, como uma verba indenizatória (que não sofre tributação sobre INSS ou IRRF).
- Importância de analisar o processo trabalhista: Se o trabalhador recebeu valores com origem em acordos firmados sem o reconhecimento formal do vínculo, ou se esses valores foram identificados como verbas indenizatórias (não sujeitas à tributação do regime CLT), o pedido de devolução pode ser inviável. O Fisco, nesse caso, poderia cobrar os tributos típicos de uma relação de emprego.
- Consideração sobre o Simples Nacional: Se a empresa era optante pelo Simples Nacional (regime simplificado de tributação), a carga tributária é mais baixa, com alíquota média de 6% sobre o faturamento, dependendo da atividade. Nessa hipótese, o pedido de restituição dos tributos pagos como PJ não seria vantajoso, já que a carga tributária do Simples é significativamente menor do que a de uma pessoa jurídica sob o regime CLT.
A viabilidade de pleitear a devolução dos tributos pagos indevidamente depende de uma análise detalhada do contexto tributário e do tipo de acordo firmado no processo trabalhista. Em situações onde o vínculo foi reconhecido e os tributos pagos como PJ foram substancialmente superiores aos que seriam devidos em uma relação de trabalho (CLT), a devolução pode ser justificável. No entanto, é essencial verificar a origem dos valores recebidos e a forma como o processo foi conduzido. Empresas no Simples Nacional, por exemplo, não teriam vantagem em solicitar essa devolução, dada a carga tributária reduzida já aplicada.
Conclusão
O reconhecimento de vínculo empregatício pode trazer uma série de consequências importantes tanto para o trabalhador quanto para o empregador. Além de garantir direitos trabalhistas, ele pode implicar na necessidade de pagamento de tributos retroativos. Para o trabalhador, isso pode significar a devolução de valores pagos como PJ, corrigindo uma distorção que existia na relação de trabalho.
Este é um tema complexo, mas importante, especialmente em tempos em que as relações de trabalho estão mudando e se tornando cada vez mais flexíveis. Por isso, é fundamental estar atento às questões legais e entender como elas podem impactar tanto os direitos quanto as obrigações de todos os envolvidos.
Nicolle Eleutheriou Taboada
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