Por: Carolina Batistela – advogada do escritório Ribeiro & Albuquerque Advogados.

Em um mercado altamente competitivo faz-se essencial que seu produto e/ ou serviço se destaque frente aos demais. Neste cenário, torna-se imprescindível a criação de uma identidade visual, objetivando que os consumidores identifiquem o produto e/ ou serviço de imediato e o associem ao seu conjunto gráfico e/ ou sensorial.

A criação de uma identidade visual requer, além de investimento, tempo, para que seja estabelecida e consolidada uma identificação com os consumidores.

A identidade visual é composta por uma série de elementos característicos do produto ou serviço, como por exemplo a marca, a embalagem, fachada de um estabelecimento, layout, fragrâncias, musicalização do ambiente, dentre inúmeras outras opções que possuem poder de identificação e associação entre os consumidores e o produto e/ ou serviço.

A esse conjunto imagem, a doutrina dá nome de “trade dress”. Nas palavras de José Carlos Tinoco Soares[1]:

“O ‘trade dress’ representa o meio pelo qual um produto (em seu sentido mais amplo possível) é apresentado ao mercado. Dentre as inúmeras formas de aparição pode compreender a embalagem (qualquer que seja o tipo e/ou modelo), a configuração do produto, a cor e/ou combinação de cores que se apresenta, os métodos de comercialização, as maneiras de sua divulgação publicitária, o desenho e/ou estilização interna ou externa do estabelecimento (qualquer que seja), os pertences, partes e componentes de um produto ou se uma prestação de serviço”

O mercado nos proporciona inúmeros exemplos de empresas ou produtos que podemos identificar através da sua identidade visual e/ ou sensorial. Um dos exemplos mais notórios e/ ou conhecidos é o “Mc Donald´s”. É possível reconhecer que você está dentro de uma loja da rede de franquias “Mc Donald´s” pela disposição dos móveis, pelas cores, pela decoração e até mesmo pelo atendimento. O mesmo acontece quando você entra em uma loja da rede “Outback”, não se faz necessário identificar a marca distintiva, o ambiente é associado à marca e ao produto ou serviço.

O mesmo mecanismo aplica-se a uma embalagem diferenciada, como por exemplo, a embalagem do chocolate “Toblerone”. Ainda que não estiver descrita a marca na embalagem, vai ser possível associar a embalagem a ela, é possível identificar o produto tão somente pela embalagem.

Uma identidade visual ou sensorial consolidada já com um vínculo forte estabelecido junto aos consumidores, agrega grande vantagem competitiva junto ao mercado, e, com isso, atribui valor significativo à empresa, sendo considerado o “trade dress” um bem imaterial, ou bem intangível.

Contudo, enquanto algumas empresas investem tempo e dinheiro na construção de sua imagem, outras tantas tentam se aproveitar dessas empresas já consolidadas no mercado, buscando atrair consumidores utilizando traços característicos de produto ou serviço de outrem, gerando confusão entre os consumidores.

Como, então, a legislação busca proteger o instituto do “trade dress”?

O ordenamento jurídico brasileiro não prevê uma proteção específica ao “trade dress”, mas, há meios de proteção de elementos isolados, como, por exemplo, o registro da marca, registro da patente, desenho industrial, nome empresarial, etc.

Contudo, embora o conjunto imagem seja considerado um sinal distintivo não registrável, entende-se que sua proteção é assegurada pela Constituição Federal em seu art. 5º, XXIX, ao dispor que: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Entende-se que o “trade dress” goza de proteção autônoma que independe dos registros de seus elementos isolados quando caracterizada a concorrência desleal. Parte da jurisprudência tem entendido dessa forma, como segue:

Concorrência desleal. Ação cominatória, cumulada com pedidos de índole indenizatória, em que a autora pretende obrigar a ré a abster-se de utilizar seu “trade dress” em produto difusor de aroma com varetas. Decisão de indeferimento de tutela de urgência. Agravo de instrumento da autora. A autora se diferencia no segmento não com relação ao uso da embalagem tipo “blister”, mas ao conjunto de elementos meramente estéticos que geram a identidade do produto e consubstanciam, em análise perfunctória, originalidade e distintividade. Provas de que a ré passou, recentemente, a comercializar difusores com o mesmo “layout” adotado pela autora. Ré que, em contraminuta, não nega a comercialização dos produtos, alegando a inexistência de registro de desenho industrial pela autora. Contudo, “a ausência de registro de desenho industrial não significa necessariamente que as formas ornamentais de um produto ou de sua embalagem possam ser livremente reproduzidas ao bel prazer da concorrência. Tais formas gozam de proteção tripla, sob a ótica do desenho industrial, da marca ou da repressão à concorrência desleal. Assim, a ausência de desenho industrial não torna seu uso automaticamente livre. Há que se analisar as demais modalidades de proteção” (LÉLIO DENICOLI SCHMIDT). A semelhança visual no conjunto-imagem das embalagens evidencia, ao menos em cognição sumária, violação ao “trade dress” da autora, sendo desnecessária, para tanto, sua reprodução integral. Conduta da ré, em aparente, concorrência desleal, por meio da utilização da reputação e do prestígio alheios para obtenção de clientes, a configurar probabilidade do direito da autora. Risco de dano decorrente de potencial confusão do mercado consumidor. Presença dos requisitos necessários ao deferimento da tutela de urgência quanto ao pedido de abstenção de uso do conjunto-imagem da ré. Possibilidade de deferimento de tutela de urgência, ainda que se possa causar prejuízos à parte contrária, posto que se deve proteger o direito mais provável. Autora que, em caso de derrota, poderá ser responsabilizada objetivamente pelos prejuízos causados à ré, decorrentes do deferimento da tutela de urgência (art. 302 do CPC). Busca e apreensão dos produtos, neste momento, desnecessária, ante a determinação de abstenção deferida. Possibilidade de requerimento a respeito, na origem, em caso de desatendimento da ordem de abstenção. Reforma da decisão agravada. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.

(TJ-SP – AI: 21246335420208260000 SP 2124633-54.2020.8.26.0000, Relator: Cesar Ciampolini, Data de Julgamento: 11/09/2020, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 11/09/2020)

As práticas de concorrência desleal estão previstas na Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), no artigo 195, sendo que, dentre as práticas ali previstas, destacamos o inciso III:

“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

(…)

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

(…)”

Ou seja, qualquer pratica passível de causar confusão entre produtos e/ ou serviços diante dos consumidores, pode vir a ser caracterizada como ato típico de concorrência desleal.

Tal previsão consta, inclusive, na Convenção da União de Paris, inserida no ordenamento jurídico brasileiro por força do Dec. 1.263/1994, que em seu artigo 10 bis, caracteriza como ato típico de concorrência desleal qualquer prática que seja suscetível de causar confusão entre produtos e serviços.

São, portanto, as normas concorrenciais que protegem as empresas que consolidaram um “trade dress” no mercado.

A configuração da prática de concorrência desleal, no entanto, é um tanto quanto subjetiva e, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal de Justiça dependem de um conjunto probatório:

“A livre concorrência, como toda liberdade, não é irrestrita; o seu exercício encontra limites nos preceitos legais que regulamentam e nos direitos dos outros concorrentes, pressupondo um exercício legal e honesto do direito próprio, expressivo da probidade profissional; excedidos esses limites, surge a concorrência desleal, que nenhum preceito legal define e nem poderia fazê-lo, tal a variedade de atos que podem constituí-los.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RE 5.232 – 2ª Turma – DJ 11.10.1949, p. 3.262.)

Com relação à produção de provas, também segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, quando o conjunto probatório demonstra-se insuficiente, é necessária a realização de perícia técnica para apurar se o conjunto-imagem de um estabelecimento, produto e/ ou serviço conflita com a propriedade industrial de outra titularidade, isso por que a mera comparação de fotografias não é suficiente para verificar imitação de trade dress:

 Ação cominatória, cumulada com pedidos de índole indenizatória, por meio da qual a autora busca coibir a ré de comercializar produto conhecido como “iogurte grego”, por reputar haver cópia de suas embalagens, o que caracterizaria concorrência desleal. Sentença de procedência parcial, rejeitado pedido de condenação da ré a pagar indenização por danos morais. Apelações de ambas as partes. Insuficiência do conjunto probatório para demonstrar a ocorrência de concorrência desleal, e não simples concorrência entre agentes econômicos com elevadíssimo poder de mercado. Precedente, envolvendo exatamente a fabricação de “iogurte grego”, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, a sugerir a existência de elementos visuais comuns no segmento de produto (Ap. 0046192-31.2013.8.26.0100, RICARDO NEGRÃO). Prova dos autos abonadora da posição da ré. Doutrina de EROS ROBERTO GRAU; precedente do STJ (REsp 1.353.451; MARCO AURÉLIO BELLIZZE) acerca da proeminência do princípio constitucional da livre concorrência em nosso ordenamento. Do julgado: “… não se pode admitir que a pretexto de se proteger o conjunto-imagem de um produto, se assegure o uso exclusivo e indeterminado de uma determinada funcionalidade não registrada”. Efetivamente, se é verdade que a disciplina da vedação à concorrência desleal deve ser utilizada para dar plena aplicação ao princípio da livre concorrência e, assim, coibir o parasitismo (de quem “pega carona” no sucesso de outrem), não se lhe pode dar extensão tal que coíba a concorrência regular. Tamanho, relevância e notoriedade das marcas de ambas as partes que, aliadas à identidade visual distinta, sobretudo entre as tampas dos potes, infirmam a tese da autora quanto ao potencial de confusão no mercado consumidor. Laudo pericial que realizou mera comparação visual e simplista dos produtos, sem seus rótulos, tampouco incluindo qualquer pesquisa com consumidores e se limitando a tecer apontamentos genéricos a respeito da metodologia usada. Quando tudo isso não fosse, haveria de se afirmar a plausibilidade da tese defensiva, no sentido de que há elementos comuns ao segmento mercadológico do produto; noutras palavras, um “código comum” no mercado do “iogurte grego”, a exemplo do que, de resto, sucede em diversos outros produtos alimentícios. Ter-se-á dado, no que diz com o conjunto-imagem dos produtos conhecidos como “iogurtes gregos”, o fenômeno, frequente em direito da propriedade industrial, da vulgarização, intimamente ligado à percepção do produto pelo público consumidor. Este espera ver “iogurte grego” apresentado à venda em recipientes similares aos empregados pelas partes aqui em litígio, que não têm, então, por isso, mais função distintiva. O “trade dress” tornou-se, para iogurtes, “usual na linguagem corrente”, vulgarizou-se, a ponto de impedir eventual proteção judicial. Doutrina de LÉLIO DENICOLI SCHMIDT. Reforma da sentença recorrida. Ação julgada improcedente. Apelação da ré provida, prejudicada a da autora.

(TJ-SP – AC: 11148797220158260100 SP 1114879-72.2015.8.26.0100, Relator: Cesar Ciampolini, Data de Julgamento: 14/10/2020, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 23/10/2020)

A perícia técnica só será dispensável na hipótese de as partes apresentarem pareceres técnicos ou documentos elucidativos que forem considerados suficientes pelo juiz.

E no mundo digital, como definir o “trade dress”, considerando o aumento exponencial do e-commerce? Como aplicar esse instituto aos sites e/ ou aplicativos? Dado o grande crescimento do mercado digital, cresce, proporcionalmente, as preocupações com relação à proteção das plataformas digitais.

Sabe-se da possibilidade de proteger softwares e/ ou aplicativos através da Lei nº 9.609/98, a qual trata da proteção da propriedade intelectual de programas de computador. Mas, diante do dinamismo desse mercado, a proteção do software e/ ou aplicativo com o registro junto ao INPI é suficiente quando se trata da identidade visual de uma empresa, serviço e/ ou produto no mundo digital?

Referido registro do software junto ao INPI concede ao titular a exclusividade na produção, comercialização e uso do software, mas, demonstra-se não ser suficiente considerando a possibilidade de uma modificação no código-fonte.

No entanto, diante de todo o exposto neste artigo, demonstra-se perfeitamente possível a aplicação da proteção à identidade visual da empresa, do produto e/ ou serviço para o ambiente virtual, seja site ou aplicativo e, consequentemente, ou seja, a aplicação do instituto do “trade dress” neste cenário.

No ambiente virtual, dentre os elementos que constituem o “trade dress”, pode-se destacar as cores utilizadas, o layout, a fonte, imagens características, nome de domínio, marca, fotografias, elementos sonoros, os padrões de navegação, o modo de transição de telas, etc.

É perfeitamente possível a hipótese de confusão pelos consumidores pelo design do website ou do aplicativo. Inclusive, é possível que determinada empresa que não atue no ambiente virtual, mas, tenha uma identidade visual consolidada no mercado, possa ser alvo de imitação dessa identidade por terceiros no mercado digital.

Nesse sentido, a repressão à concorrência desleal pela imitação do “trade dress” é aplicada da mesma forma no ambiente digital, desde que demonstrada e comprovada tal imitação, conforme brevemente exposto.

[1] SOARES, José Carlos Tinoco. “Concorrência desleal” vs. “Trade Dress” e/ou “Conjunto-Imagem”. São Paulo: Ed. do Autor, 2004, p. 96-7.

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